“Luz com trevas” pode ser definido como antiexposição. À primeira vista, talvez corresponda à exuberância de um bazar saturado de mercadorias. Intitulada a partir de uma música do Cabelo, a mostra reúne uma variedade de objetos e utensílios sobre plataformas móveis, tecidos vibrantes e projeções de pequenos filmes, com o argumento de atrair passantes dentro de um experiência imersiva. De que maneira, no entanto, agregar o transe da população que atravessa o térreo de um edifício comercial e diluir o verniz que separa o olhar ilustrado de uma nação de excluídos?
Baixaram então as entidades presentes na obra do Cabelo num percurso de duas décadas: Cobra-coral, Exu e MCs. O artista tirou partido da localização estratégica da galeria, no Largo da Carioca, onde circulam milhares de pessoas por dia. Bem sabe que, em tempos de distopia, uma multidão não qualifica a massa de trabalhadores registrados, mas sobretudo, desempregados, mascates, mendigos etc. Contexto ideal para quem se apropria de quadros de guerra e da vida precária—donde o parentesco em toda uma mística que envolve a guerrilha do poeta marginal e a sedução do anti-herói no cinema (O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla).
Sofás, tapetes e TVs compõem “k-roças” equipadas de “ovos-bomba“. São alguns dos dispositivos desenvolvidos pelo artista para catalisar manifestações. Cabelo, escoltado de convidados e cúmplices, interpela os errantes que desviam da rota. Com seu freestyle característico, invoca Rimbaud contra Rambo, a rebeldia, a magia e a força da poesia contra os poderes do Império, para cantar beleza do caboclo em praça pública. Sem apego à pureza dos circuitos oficiais da arte, esse “mestre de cerimônias” vem construindo um campo ativo com capacidade de imantar o rumor explosivo de uma urbe desgovernada.