Agrade Camíz | Abusada
Teu nome tá no judas ou de suburbane para suburbane
O subúrbio é um inferno, disse-me-disse, nome no judas, roubo de fio, cerol nos olhos, chacota, bullying.
– Camila, olha essa roupa, esse cabelo, essa bunda!
Cadê o amor-próprio? A casa própria? O carro próprio? A vida própria?
Ônibus lotado. Trem lotado. BRT lotado. Nas festas, homens levam bebidas e mulheres, comidas. Cadê os filmes de arte? Cadê as exposições? Nas maleitas, reza cobreiro, benze figa pro travesseiro, sonha com a sorte. Que bicho que deu? Está tudo escrito nos muros. E as ruas, cheias de lazer e bougainvilles.
O subúrbio se cria sozinho, a mãe solo pede ajuda da vizinha, a criança leva as compras dos mais velhos, os adolescentes ajudam a empurrar carro enguiçado. Se o telhado furou, mutirão para colocar a laje. Se a filha debutou, salão de festa para valsas binárias, homem com mulher, mulher com homem. Que inferno!
Mas, de que importa a Agrade Camíz brotar no subúrbio e continuar mantendo as aparências? Não, as pinturas de Camíz atravessam a hipocrisia dos fatos, denunciam abusos infantis, colocam frases de alerta, explicitam. Em tudo, se vê o subúrbio. Inconformada, pode pixar as ruas.... Vou “firmar o pé na alteridade”, “marcar território”. Das moradias nos conjuntos habitacionais, Agrade pinta os retratos dos abusos velados: a criança desrespeitada, desacatada. De quem é a culpa? Aquaplay de piroca. Gritar para quem?
Soltar-se de seu próprio corpo, soltar o corpo e falar. Fazer da pintura o corpo, da tinta, tatuagem, inscrição. Escrever ou pintar, tanto faz. “Porém um pouco tarde”. “Afinal, um pouco de cada”. Fazer pintura apelativa. A-p-e-l-a-t-i-v-a. Borrar, sujar, escorrer, tornar-se inteligível, foda-se o conceitual. “Nessa casa, moram outras intenções ou intensidades”.
Observar a construção de Agrade Camíz é perceber a necessidade de atravessar os muros do amor e da denúncia, da subjetividade e da memória. Sair de um subúrbio idílico e bucólico que jamais existiu. Chegar a outras portas da cidade, outras grades. Mas, chegar causando, frustrando as expectativas de quem espera as cores e escrever para que se possa sonhar pelo amor-próprio, como sorte, reza, fitinha no pulso. “Saco cheio de mundo”.
Marcelo Campos, 2021