Bum-bum Paticumbum Prugurundum
Aleta Valente, Ana Linnemann, Arjan Martins, Cabelo, Ernesto Neto, Jarbas Lopes, João Modé, José Bento, Laura Lima, Marcela Cantuária, Maria Laet, Maria Nepomuceno, Maxwell Alexandre, OPAVIVARÁ!, Renata Lucas, Rodrigo Torres, Vivian Caccuri
Bum-bum paticumbum prugurundum
Caros colegas,
Bom dia,
Acredito que todes já ouviram, falaram, cantaram esta onomatopeia mantra e tratado, mantratado, acima, acredito que alguns saibam que este é o samba do Império Serrano, campeão depois de um desfile arrebatador em 1982, que diz que “bum-bum paticumbum prugurundum, o nosso samba minha gente é isso aí” e que traz uma crítica na letra “superescolas de samba SA / escondendo gente bamba / que covardia...”. O que acredito que ninguém sabe é que ela identifica um momento de inflexão na história do Samba que define muito quem somos, e de alguma forma, fala da humanidade como um todo - ela é tão importante e “universal”, neste multiverso que vivemos, quanto a frase “Penso, logo existo”, de Descartes, é para a sociedade moderna. Esta frase deveria ser parte dos estudos fundamentais das escolas brasileiras.
Bubumbum paticumbum prugurundum é uma frase usada por Ismael Silva, que deu origem ao samba do Império e que define o ritmo Samba que conhecemos hoje. Em suas origens em terras brasilis, Samba era festa de gente afrodescendente que acontecia de várias maneiras em diferentes partes do Brasil, não necessariamente definia um ritmo, mas, segundo o mestre Luiz Antônio Simas, um encontro festivo movido a canto, ritmo e dança. Com o fim da escravatura houve um êxodo de ex-escravizados saindo da Bahia para o Rio de Janeiro, ocupando a área entorno do centro: região portuária, praça Tiradentes, Saara, era tempo das festas da casa da Tia Ciata, dentre outras tias, de mestres como Sinhô, Donga, Pixinguinha. Ao mesmo tempo, outro êxodo, vindo do Vale do Paraíba, chegava à capital se aldeando na região do Estácio, esta era a turma de Ismael Silva, Bide, Marçal, Brancura e vários bambas. Estas duas energias entraram em choque, enquanto a turma da pequena África gostava de um samba mais rodado, maxixado, de roda, a turma do Estácio queria um samba que empurrasse a turma, os blocos, os ranchos pelas ruas da cidade, gostavam de briga, de entrar em choque com outros blocos, queriam um ritmo que permitisse o corpo coletivo evoluir, e assim nasceu o bumbum paticumbum prugurundum.
Um dia, estava na aula de agogô, tocando com mestre Scofa via messenger e entramos numa conversa, quem sabe sincopados pelo mestre Simas que já dizia “Batuco, logo existo”, falávamos que nesta frase bum-bum paticumbum prugurundum está contido um tratado tão importante quanto a frase “penso logo existo”, do mestre Descartes, assim como o próprio livro Discurso do Método e várias outras filosofias que definem o ocidente e por consequência a modernidade. Que ali está contido uma teoria, um Norte (ou seria melhor dizer um Sul). A língua dos tambores e ritmos é tão importante como a escrita, mas inescrevíveis, pois sua fala não é inteligível pela mente, mas pelo corpo. Estávamos entusiasmados com a conversa, quando toc toc toc, a Lili bateu na porta trazendo a realidade na forma de outra frase — Já são oito horas, vamos fazer a reunião? — Sim, claro — respondi, me despedi e ao sair do quarto, nossos filhos estavam em choque, passei por eles e falei – Calma pessoal! — e recebi logo a pancada — Qual é cara? Você não sabe de nada e já vai se metendo! E respondi, já alguns passos adiante e pra mim mesmo — Sei sim, sei sim! Ali estava o resumo, um termômetro, a demonstração da conversa, do debate, o exemplo do tratado: “você não sabe o que está acontecendo” vem da ordem do penso logo existo, do “quem está certo X quem está errado”, das polaridades dialéticas excludentes. Mas o “sei sim” veio de outro lugar, do bumbum paticumbum prugurundum, não importava naquele momento quem estaria certo ou errado, mas que a temperatura estava alta demais, que o bumbum paticumbum prugurundum estava pegando fogo, e era preciso amainar, serenar o paticumbum para amenizar as arestas, os espinhos. Bum-bum paticumbum prugurundum é inclusivo e trabalha no corpo/espírito, no balanço, no equilíbrio. Está fora da objetividade do logos, por isso não pode ser conduzido pelas palavras objetivas e analíticas, é poético e eficiente, ele opera na subjetividade dos sons, no ritmo no entendimento do corpo/coração que bate tum tum, cum bum... gera temperança, ou excitação, acalma serena, levanta, trabalha a alma, cura! “bumbum paticumbum prugurumdum, o nosso samba minha gente é isso aí, é isso aí! Bum bum!”
– Ernesto Neto, 2021