Amplificando sensibilidade e construindo memória, com Vinicius Gerheim

Amanda Olbel, Mídia NINJA, 12 Dec 2020

"Ser LGBTQIA+ é praticar diariamente resistência, e minha produção de arte fala sobre isso, dentro de uma esfera que vai além do meu íntimo, pois somos muitas corpas e muitas vozes, mas também a compreendo como ferramenta de articulação intelectual dentro do campo das artes, não derivando apenas desse entendimento."

 

Nascido no município de Juiz de Fora, em Minas Gerais, Vinicius Geheim reside no Rio de Janeiro há 10 anos. Tem como formação acadêmica bacharel em Pintura, pela UFRJ, além de formação técnica como web-designer, e nos conta que busca, através da prática artística, investigar com mais profunda intimidade o corpo, com a consciência de que esses atravessamentos não são particulares, mas de muitos outres.

 

Seu trabalho está voltado principalmente para as questões do corpo como moradia, e sua relação com o meio externo. Dessa forma questiona as posturas heteronormativas de expressão, por escolher como referências fotografias pessoais, com recortes ousados e poses retorcidas, dizendo ainda ter preferência por angulações distintas, criando assim uma atmosfera paradoxal de sensualidade e desconforto. São poses que o remetem a gestos castrados da infância, dos quais geram indícios de um comportamento ou de uma norma social que é contra a essa feminilidade em corpos masculinos, resultando também em um aspecto de maior vigilância, por estarem sendo vistas de cima.

 

Gerheim se abre para dizer que vem de família bastante católica, e muito em função dessa tradição rígida, fez com que se sentisse um tanto aprisionado em seu próprio corpo quando criança, fato que influencia suas pinturas até hoje. Conta que a série de trabalhos baseados em suas fotos antigas, intitulada de "Casamente de criança", vêm muito dessa culpa cristã de ser gay, que não se adéqua a esse modelo de projeto de vida hétero apresentada pela igreja. Inclusive, em se tratando de análise iconográfica, as imagens apresentam uma certa verticalidade nas figuras registradas - além de fundos escuros-, causando uma atmosfera sombria que nos remete a pesadelos; uma sensação de aprisionamento. Em divergência, suas outras obras de autorretrato mais recentes, (ainda sem título), são cheias de movimentos e contorções — com cores saturadas e vibrantes — , fazendo um paralelo ainda onírico, fantasioso e artificial, de seu momento de vivência atual.

 

"Gosto muito de acreditar que o espectador é uma espécie de testemunha desse crescimento to  sofrido, de alguma maneira. Porque a criança gay vê varias pessoas que testemunharam ela sofrendo sozinha, e que ninguém faz nada. E esse ângulo superior de escorsco, nos dé uma  sensação de câmera de vigilância, o que ajuda o quadro a avançar na pessoa, criar esse incômodo".

 

Todavia, apesar de não ter tido dentro de casa um apoio em relação à expressao de sua  sexualidade, com a qual bagagem cultural também era comprometida, obteve apoio para seguir com os estudos. E foi por conta de sua experiência dentro do colégio público onde se formou, que teve contato com professores que o incentivaram positivamente a adentrar no ambiente da arte, e posteriormente na universidade, se graduando no bacharelado de Pintura, na Escola de Belas Artes. Ele acredita também que, efetivamente, toda criança tem uma pulsão artística dentro se si, a partir do momento em que todas desenham, cantam e dançam,  mas acabam deixando de ter isso como hábito conforme envelhecem, principalmente por  falta de incentivo.  

 

“Tive a oportunidade incrível de ter sido motivado por professores, dentro da escola pública. Foi o que me fez acreditar que eu poderia viver da prática artística”

 

Após ingressar na faculdade, iniciou seus estudos relativos à configuração da forma, potencializado também pelos cursos na EAV, do Parque Lage, o fazendo refletir a respeito de como seu próprio corpo era um desenho, percebendo por conseguinte, um discurso existente por detrás da maneira como se movimentava. Logo, se aprofundou em uma busca por coisas não ditas e não transformadas em linguagem durante sua vivência, em que através da atenção plena, na prática artística, pôde amplificar sensibilidade e construir memória.

 

E isso se associa intrinsecamente ao fato de ser parte da comunidade LGBTQIA+, por estar ligado à sua percepção de vida, — justamente seu maior impulso de questionar imagens, posturas, vestimentas e configurações de corpo — desde muito cedo na infância. Portanto, de maneira solitária e silenciosa que lhe foi proporcionado um olhar sensível para essas questões, e sua produção naturalmente reflete uma educação técnica que passa pela formação acadêmica, mas concilia de maneira inerente uma carga sensível que parte de sua construção como indivíduo.

 

Seus quadros foram expostos juntamente de uma coletiva da galeria Caixa Preta, no terceiro dia da Feira Arte Rio, um dos principais eventos de arte da América Latina, articulada pela EEI ARTE, tendo tido também uma exposição individual na Sala José Cândido de Carvalho, em Niterói, intitulada de “Dark Room”.

 

Vinicius Gerheim compartilha seus trabalhos em seu perfil do instagram @gayheim, onde você pode ter acesso a suas postagens e encontrar outros registros de suas obras. Siga também a página @planetafoda, para estar atento aos próximos #ArtistasFOdA’s, publicados no perfil, todas as quintas-feiras.